Sonhei, confuso, e o sino foi disperso Mas, quando despertei da confusão, Vi que esta vida aqui e este universo Não são mais claros do que os sonhos são.
Obscura luz paira onde estou converso A esta realidade da ilusão Se fecho os olhos, sou de novo imerso Naquelas sombras que há na escuridão.
Escuro, escuro, tudo, em sonho ou vida, É a mesma mistura de entre-seres Ou na noite, ou ao dia transferida.
Nada é real, nada em seus vãos moveres Pertence a uma forma definida, Rastro visto de coisa só ouvida.
Fernando Pessoa
lopes Moderador
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Assunto: Re: Poesia Qua Jul 29, 2009 12:06 am
Retrato Ardente
No teu peito é que o pólen do fogo se junta à nascente, alastra na sombra.
Nos teus flancos é que a fonte começa a ser rio de abelhas, rumor de tigre.
Da cintura aos joelhos é que a areia queima, o sol é secreto, como o silêncio.
Deita-te comigo. Ilumina meus vidros. Entre lábios e lábios toda a música é minha.
EUGÉNIO DE ANDRADE
lopes Moderador
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Assunto: Re: Poesia Qua Jul 29, 2009 12:12 am
CANÇÃO
Tu eras neve. Branca neve acariciada Lágrima e jasmim no limiar da madrugada.
Tu eras água. Água do mar se te beijava. Alta torre,alma,navio, adeus que não começa nem acaba.
Eras o fruto nos meus dedos a tremer. Podíamos cantar ou voar,podíamos morrer.
Mas do nome que maio decorou nem a cor nem o gosto me ficou. EUGÉNIO DE ANDRADE
Toni Lopes
Cazimar Adm/Moderação
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Assunto: Re: Poesia Qui Jul 30, 2009 4:53 pm
O autor aos seus versos
Chorosos versos meus desentoados, Sem arte, sem beleza e sem brandura, Urdidos pela mão da Desventura, Pela baça Tristeza envenenados:
Vede a luz, não busqueis, desesperados, No mudo esquecimento a sepultura; Se os ditosos vos lerem sem ternura, Ler-vos-ão com ternura os desgraçados:
Não vos inspire, ó versos, cobardia Da sátira mordaz o furor louco, Da maldizente voz e tirania:
Desculpa tendes, se valeis tão pouco, Que não pode cantar com melodia Um peito de gemer cansado e rouco.
Bocage
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Assunto: Re: Poesia Sex Jul 31, 2009 11:00 pm
Legado
Que lembrança darei ao país que me deu tudo que lembro e sei, tudo quanto senti? Na noite do sem-fim, breve o tempo esqueceu minha incerta medalha, e a meu nome se ri.
E mereço esperar mais do que os outros, eu? Tu não me enganas, mundo, e não te engano a ti. Esses monstros atuais, não os cativa Orfeu, a vagar, taciturno, entre o talvez e o se.
Não deixarei de mim nenhum canto radioso, uma voz matinal palpitando na bruma e que arranque de alguém seu mais secreto espinho.
De tudo quanto foi meu passo caprichoso na vida, restará, pois o resto se esfuma, uma pedra que havia em meio do caminho.
Carlos Drummond de Andrade
lopes Moderador
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Assunto: Re: Poesia Sex Jul 31, 2009 11:28 pm
Ápice
O raio de sol de tarde Que uma janela perdida Refletiu Num instante indiferente- Arde, Numa lembrança esvaída, À minha memória de hoje subitamente...
Sem efêmero arrepio Ziguezagueia,ondula,foge, Pela minha retentiva... -E não pode adivinhar Porque mistério se me evoca Esta ideia fugitiva, Tão débil que mais me toca!...
-Ah,não sei porquê,mas certamente Aquele raio cadente Alguma coisa foi na minha sorte Que a sua projeção atravessou...
Tanto segredo no destino de uma vida...
É como a ideia do Norte, Preconcebida, Que sempre me acompanhou...
MÁRIO DE SÁ CARNEIRO
lopes Moderador
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Assunto: Re: Poesia Qua Ago 05, 2009 1:46 am
Amor co a esperança já perdida
Amor co a esperança já perdida, Teu soberano templo visitei; Por sinal do naufrágio que passei, em lugar dos vestidos,pus a vida.
Que queres mais de mim,que destruída me tens a glória toda me alcancei? Não cuides de forçar-me,que não sei tornar a entrar onde não há saída.
Ver aqui alma,vida e esperança, despojos doces de meu bem passado, enquanto quis aquela que eu adoro;
Nelas podes tomar de mim vingança, e se inda não estás de mim vingado, Contenta-te co as lágrimas que choro. CAMÕES
lopes Moderador
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Assunto: Re: Poesia Qua Ago 05, 2009 1:57 am
Amor,que o gesto Humano n´alma escreve
Amor que o gesto humano n´alma escreve, viver faíscas que mostrou um dia, donde um puro cristal se derretia Por entre vivas rosas e alva neve.
A vista,que em si mesma não se atreve, por se certificar do que ali via, foi convertida em fonte que fazia a dor ao sofrimento doce e leve.
Jura amor que brandura de vontade causa o primeiro efeito;o pensamento endoudece,se cuida que é verdade.
-Olhai como amor gera num momento, de lágrimas de honesta piedade lágrimas de imortal contentamento. CAMÕES
Toni Lopes...
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Assunto: Re: Poesia Qua Ago 05, 2009 5:38 pm
Com grandes esperanças já cantei
Com grandes ersperanças já cantei, Com que os deuses no Olimpo conquistara; Depois vim a chorar porque cantara, E agora choro já porque chorei.
Se cuido nas passadas que já dei, Custa-me esta lembrança só tão cara, Que a dor de ver as mágoas que passara, Tenho por a mor mágoa que passei.
Pois logo, se está claro que um tormento Dá causa que outro na alma se acrescente, Já nunca posso ter contentamento.
Mas esta fantasia se me mente? Oh ocioso e cego pensamento! Ainda eu imagino em ser contente?
Camões
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Assunto: Re: Poesia Qua Ago 05, 2009 5:55 pm
A Camões
Quando n'alma pesar de tua raça A névoa da apagada e vil trizteza, Busque ela sempre a glória que não passa, Em teu poema de heroísmo e de beleza.
Génio purificado na desgraça, Tu resumiste em ti toda a grandeza: Poeta e soldado... Em ti brilhou sem jaça O amor da grande pátria portuguesa.
E enquanto o fero canto ecoar na mente Da estirpe que em perigos sublimados Plantou a cruz em cada continente,
Não morrerá, sem poetas nem soldados, A língua em que cantaste rudemente As armas e os barões assinalados.
Manuel Bandeira
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Assunto: Re: Poesia Qui Ago 06, 2009 1:20 pm
Entre o bater rasgado dos pendões
Entre o bater rasgado dos pendões E o cessar dos clarins na tarde alheia, A derrota ficou : como uma cheia Do mal cobriu os vagos batalhões.
Foi em vão que o Rei louco os seus varões Trouxe ao prolixo prélio, sem idéia. Água que mão infiel verteu na areia _ Tudo morreu, sem rastro e sem razões.
A noite cobre o campo, que o Destino Com a morte tornou abandonado. Cessou, com cessar tudo, o desatino.
Só no luar que nasce os pendões rotos 'Strelam no absurdo campo desolado Uma derrota heráldica de ignotos.
Fernando Pessoa
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Assunto: Re: Poesia Qui Ago 06, 2009 1:22 pm
Há um poeta em mim que Deus me disse
Há um poeta em mim que Deus me disse... A Primavera esquece nos barrancos As grinaldas que trouxe dos arrancos Da sua efémera e espectral ledice...
Pelo prado orvalhado a meninice Faz soar a alegria os seus tamancos... Pobre de anseios teu ficar nos bancos Olhando a hora como quem sorrisse...
Florir do dia a capitéis de Luz... Violinos do silêncio enternecidos... Tédio onde o só ter tédio nos seduz...
Minha alma beija o quadro que pintou... Sento-me ao pé dos séculos perdidos E cismo o seu perfil de inércia e vôo...
Fernando Pessoa
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Assunto: Re: Poesia Qui Ago 13, 2009 12:12 am
Sonhei, confuso, e o sono foi disperso
Sonhei, confuso, e o sono foi disperso, Mas, quando dispertei da confusão, Vi que esta vida aqui e este universo Não são mais claros do que os sonhos são
Obscura luz paira onde estou converso A esta realidade da ilusão Se fecho os olhos, sou de novo imerso Naquelas sombras que há na escuridão.
Escuro, escuro, tudo, em sonho ou vida, É a mesma mistura de entre-seres Ou na noite, ou ao dia transferida.
Nada é real, nada em seus vãos moveres Pertence a uma forma definida, Rastro visto de coisa só ouvida.
Fernando Pessoa
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Assunto: Re: Poesia Sex Ago 14, 2009 10:34 pm
Sexto sentido
Ouço as palavras mudas, que a minha boca não ousou dizer.
Vejo o que não existe e que os meus olhos não quiseram ver.
Provo o fel da amargura, no fim da doçura do meu bem querer.
Tacteio as flores plantadas, que não passam de sombras, sem florescer.
Cheiro o perfume da morte, que quase no fim persiste em viver.
Medito nos pensamentos, que a minha mente não deixou nascer.
Existo.
E por isso insisto, na negação de padecer ! . . .
Ana Maria Roseira
(retirado da net)
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Assunto: Re: Poesia Ter Ago 18, 2009 5:41 pm
Quando olho para mim não me percebo
Quando olho para mim não me percebo. Tenho tanto a mania de sentir Que me extravio às vezes ao sair Das próprias sensações que eu recebo.
O ar que respiro, este licor que bebo, Pertencem ao meu modo de existir, E eu nunca sei como hei de concluir As sensações que a meu pesar concebo.
Nem nunca, propriamente reparei, Se na verdade sinto o que sinto. Eu Serei tal qual pareço em mim? Serei
Tal qual me julgo verdadeiramente? Mesmo ante as sensações sou um pouco ateu, Nem sei bem se sou eu quem em mim sente.
Fernando Pessoa
Cazimar Adm/Moderação
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Assunto: Re: Poesia Seg Ago 24, 2009 6:36 pm
Ser angolano (Poema de Neves e Sousa)
lopes Moderador
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Assunto: Re: Poesia Seg Ago 24, 2009 6:46 pm
Paraíso
Deixa ficar comigo a madrugada, para que a luz do sol não me constranja. Numa taça de sombra estilhaçada, deita sumo de lua e de laranja.
Arranja uma pianola,um disco,um posto, onde eu ouça o estertor de uma gaivota... Crepite em derredor,o mar de Agosto... E o outro cheiro,o teu,à minha volta!
Depois,podes partir.Só te aconselho que acendas,para tudo ser perfeito, à cabeceira a luz do teu joelho, entre os lençóis o lume do teu peito...
Podes partir.De nada mais preciso para a minha ilusão do paraíso
DAVID MOURÃO FERREIRA
Última edição por lopes em Seg Ago 24, 2009 6:54 pm, editado 1 vez(es)
lopes Moderador
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Assunto: Re: Poesia Seg Ago 24, 2009 6:52 pm
Inscrições sobre as ondas
Mal fora iniciada a secreta viajem um deus me segredou que eu não iria só.
Por isso a cada vulto os sentidos reagem, supondo ser a luz que deus me segredou.
DAVID MOURÃO FERREIRA
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Assunto: Re: Poesia Dom Ago 30, 2009 2:05 pm
Passei o Dia Ouvindo o que o Mar Dizia
Eu hontem passei o dia Ouvindo o que o mar dizia.
Chorámos, rimos, cantámos.
Fallou-me do seu destino, Do seu fado...
Depois, para se alegrar, Ergueu-se, e bailando, e rindo, Poz-se a cantar Um canto molhádo e lindo.
O seu halito perfuma, E o seu perfume faz mal!
Deserto de aguas sem fim.
Ó sepultura da minha raça Quando me guardas a mim?...
Elle afastou-se calado; Eu afastei-me mais triste, Mais doente, mais cansado...
Ao longe o Sol na agonia De rôxo as aguas tingia.
«Voz do mar, mysteriosa; Voz do amôr e da verdade! - Ó voz moribunda e dôce Da minha grande Saudade! Voz amarga de quem fica, Trémula voz de quem parte...» . . . . . . . . . . . . . . . .
E os poetas a cantar São echos da voz do mar!
António Botto, in 'Canções'
lopes Moderador
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Assunto: Re: Poesia Seg Ago 31, 2009 11:18 pm
Omissão
Uma noviça,jovem de talento Na arte do desenho e da pintura, Pede à madre abadessa do convento O favor de lhe ver uma figura.
Era a imitação escrupulosa De um menino em tamanho natural Que pertencia à soror Ana Rosa, Tido em conta de um belo original!
A soror costumava, por decência Tê-lo com uma tanga pequenina, Que lhe encobria aquela saliência Que distingue o menino da menina.
Mas uma tanga tão apropriada No tecido,na cor,que na verdade A gente olhava e não lhe via nada Que desmentisse a naturalidade.
Era,pois,de esperar que a nossa artista, Assim como no mais,naquela parte Pintasse apenas o que tinha à vista Que é o preceito e o primor da arte.
Vê a madre abadessa a maravilha, E não se cansa de a louvar!Mas lança A vista atenta àquele ponto:"Ai,filha, Que falta essencial!...pobre criança!
Que pena!o colorido,que beleza! Pernas,braços e tudo,que perfeito! Mas confesso...Confesso com tristeza... Que enorme,que enormíssimo defeito!" JOÃO DE DEUS
lopes Moderador
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Assunto: Re: Poesia Seg Ago 31, 2009 11:22 pm
Sempre
Nem te vejo por entre a gelosia; Nunca no teu olhar o meu repousa; Nunca te posso ver e todavia, Eu não vejo outra cousa!
JOÃO DE DEUS
Toni Lopes
lopes Moderador
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Assunto: Re: Poesia Sex Set 04, 2009 12:31 am
Vento Que Passas
Vento que passas Nos pinheirais Quantas desgraças Lembram teus ais.
Quanta tristeza, Sem o perdão De chorar,pesa No coração.
É o vento vago das solidões Traze um afago Aos corações.
À dor que ignoras Presta os teus ais, Vento que choras Nos pinheirais.
FERNANDO PESSOA(poesias inéditas)
lopes Moderador
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Assunto: Re: Poesia Sex Set 04, 2009 12:36 am
Vão Breves Passando
Vão breves passando Os dias que tenho. Depois de passarem já não os apanho.
De aqui a tão pouco A vida acabou Vou ser um cadáver Por quem se rezou.
E entre hoje e esse dia Farei o que fiz; Ser qual quero eu ser, Feliz ou infeliz.
FERNANDO PESSOA (28-3-1931)
lopes Moderador
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Assunto: Re: Poesia Sex Set 04, 2009 12:51 am
Brincava a Criança
Brincava a criança Com um carro de bois. Sentiu-se brincando E disse,eu sou dois!
Há um brincar E há outro a saber, Um vê-me a brincar E o outro vê-me a ver
Estou atrás de mim Mas se volto a cabeça, Não era o que eu queria A volta só é essa...
O outro menino não tem pés nem mãos Nem é pequenino Não tem mãe ou irmãos.
E havia comigo Por d´trás donde eu estou, Mas se volto a cabeça Já não sei o que sou.
E o tal que eu cá tenho E sinto comigo, Nem pai,nem padrinho Nem corpo ou amigo,
Tem alma cá dentro ´stá a ver-me sem ver, E o carro de bois Começa a parecer
FERNANDO PESSOA
Toni Lopes
Kaluanda Top 500
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Assunto: Re: Poesia Sex Set 04, 2009 4:10 pm
Oi Lopes
Essa alusão de Fernando Pessoa ao carro de bois, fez-me lembrar um poema de Afonso Lopes Vieira que estava num livro que tive na infância e que se intitulava "Animais nossos Amigos"
Vou colocar abaixo...
Bjs.
Kaluanda Top 500
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Assunto: Re: Poesia Sex Set 04, 2009 4:11 pm
OS BOIS
Os bois! Fortes e mansos, os boizinhos, - leões com corações de passarinhos!
Os bois! Os grandes bois, esses gigantes, tão amigos, tão úteis, tão possantes!
Vede os bois a puxar, pelas estradas, aquelas pesadíssimas carradas.
O corpo deles, com o esforço, freme, e o carro geme, longamente geme...
E à noite, pela estrada tão sòzinha, o carro geme, geme, e lá caminha...
E parece, pela noite envolta em treva, que é o carro a chorar por quem o leva.
Vede o boi a puxar à velha nora, que parece também que chora, chora...
A nora chora, e o boi, cansadamente, anda à roda, anda à roda, longamente...
E parece pela tarde erma que expira, que é a água a chorar por quem a tira.
Mas vede os bois, também, nessa alegria de trabalhar na terra à luz do dia!
Vede os bois a puxar ao arado, agora que o lavrador conduz pelo campo fora!
Eis um canto de amor no ar se espalha: - é a terra a cantar por quem trabalha!
O arado rasga a terra, e os bois, passando, com os seus olhos a vão abençoando.
Sem as suas fadigas e canseiras, não teriam florido as sementeiras!
Sem a sua força, sem a sua dor, não estava rindo a terra toda em flor!...
E, por onde os bois lavraram, as fontes frescas brotaram, as árvores verdejaram, os passarinhos cantaram, as flores floriram, os campos reverdeceram, os pães cresceram e os homens sorriram!...